Após o fim do boom da pandemia, empresas de tecnologia no Brasil reduzem contratações generalistas e passam a priorizar profissionais com competências técnicas avançadas e visão de negócio.

Nos últimos meses, a ideia de que o mercado de tecnologia “esfriou” ganhou força no Brasil. Profissionais relatam processos seletivos mais longos, menos vagas abertas e maior dificuldade de recolocação, especialmente nos níveis de entrada.

Essa percepção, no entanto, não conta a história completa. O mercado tech não deixou de existir nem entrou em colapso — ele passou por um ajuste estrutural e mudou significativamente o perfil das contratações.

O que antes era um cenário de crescimento acelerado, contratações em massa e baixa exigência técnica, deu lugar a um mercado mais seletivo, orientado por eficiência, impacto no negócio e qualificação comprovada.

O fim do boom da pandemia e o ajuste do mercado

Entre 2020 e 2022, a pandemia acelerou processos de digitalização em empresas de todos os setores. E-commerce, meios de pagamento, logística, educação, saúde e serviços migraram rapidamente para o digital. Para sustentar esse crescimento, companhias ampliaram seus times de tecnologia em ritmo acelerado, muitas vezes contratando profissionais ainda em formação ou com experiência limitada.

Esse movimento foi impulsionado por um contexto econômico específico: juros baixos, abundância de capital de risco e forte apetite por crescimento rápido. No entanto, esse cenário não era estrutural — era excepcional.

A partir de 2023, com a elevação dos juros no Brasil e no mundo, a redução de investimentos em startups e a pressão por resultados financeiros mais consistentes, as empresas passaram a rever estratégias. O foco deixou de ser “crescer a qualquer custo” e passou a ser crescer com eficiência. Como consequência direta, as contratações em tecnologia também mudaram.

O que dizem os dados sobre empregos em tecnologia no Brasil

Apesar da sensação de retração, os dados oficiais não indicam o fim do mercado. Segundo o Novo Caged, do Ministério do Trabalho e Emprego, o Brasil registrou saldo positivo de empregos formais em 2025. No recorte de “Informação, comunicação e atividades financeiras, imobiliárias, profissionais e administrativas”, grupamento que concentra boa parte das ocupações em tecnologia, o saldo também permaneceu positivo em diversos meses do ano.

Os dados completos podem ser consultados no site oficial do governo federal: Novo Caged.

Isso mostra que o mercado formal continua gerando vagas. O que mudou não foi a existência de oportunidades, mas o tipo de profissional demandado.

Menos volume, mais critério: como mudaram as contratações

Durante o auge do boom, muitas empresas priorizavam velocidade. Processos seletivos eram rápidos, exigências técnicas eram mais superficiais e havia espaço para perfis generalistas. Hoje, o cenário é outro.

As contratações se tornaram mais criteriosas. Processos seletivos incluem testes técnicos mais profundos, entrevistas comportamentais focadas em resolução de problemas reais e avaliação da capacidade de gerar impacto prático. Em vez de contratar “potencial”, as empresas passaram a buscar evidências concretas de entrega.

Essa mudança explica por que muitos profissionais sentem que as portas se fecharam. O mercado não desapareceu — ele subiu a régua.

Por que a exigência por qualificação aumentou

Um dos principais fatores por trás desse novo cenário é a maturidade do próprio mercado. Empresas aprenderam, na prática, que times inflados e pouco experientes não garantem produtividade nem resultados.

Hoje, há maior valorização de profissionais que dominam fundamentos técnicos, entendem processos e conseguem conectar tecnologia aos objetivos do negócio.

A Brasscom (Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação) reforça essa leitura. Em estudo divulgado em 2025, a entidade aponta que o macrossetor de TIC pode gerar até 147 mil empregos formais no Brasil, mas destaca um desafio central: o descompasso entre a formação disponível e a qualificação exigida pelas empresas.

Ou seja, há vagas — mas elas não são preenchidas com facilidade porque exigem competências específicas, experiência prática e atualização constante.

A falsa ideia de que o mercado tech esfriou

A sensação de “esfriamento” é mais intensa entre profissionais em início de carreira ou que ingressaram no mercado durante o boom da pandemia. Para esse público, a redução das vagas de entrada e o aumento da concorrência tornam o cenário mais desafiador.

Além disso, houve uma explosão de cursos rápidos e formações genéricas prometendo acesso fácil à área de tecnologia. Muitos profissionais chegaram ao mercado com expectativas desalinhadas da realidade atual, o que amplia a frustração.

Na prática, o mercado não esfriou de forma homogênea. Ele segue aquecido para perfis qualificados, especializados e com experiência comprovada — e mais restrito para quem ainda não conseguiu construir esse repertório.

O que o novo cenário exige de profissionais e empresas

Para os profissionais, o recado é claro: não basta “estar na tecnologia”. É preciso se diferenciar, investir em especialização, construir portfólio real, acompanhar tendências e entender como o trabalho técnico gera valor para o negócio.

Para as empresas, o desafio é estruturar processos seletivos mais claros, alinhar expectativas e investir no desenvolvimento contínuo dos times, evitando tanto o excesso de rigor quanto a volta ao improviso.

O mercado de tecnologia no Brasil não acabou, nem entrou em crise terminal. Ele deixou para trás o período de euforia e passou a operar em um estágio de maior maturidade. Contratações continuam acontecendo, mas com foco em qualidade, eficiência e impacto.

Entender essa mudança é essencial para profissionais que desejam se posicionar melhor e para empresas que precisam atrair talentos de forma estratégica. Mais do que um esfriamento, o que se vê é um novo jogo — e ele exige preparo.